#FellTheBern e as chances de um socialismo americano

Quebrou-se o tabu, com tudo que já ocorreu até aqui, Sanders já garantiu essa nada irrelavante vitória do “rótulo” socialismo. Agora, como diz o poeta, para que dê um passo adiante: “tem de morrer para germinar”. Pode parecer pouco intuitivo afirmar isso, que a derrota de Sanders seja a melhor oportunidade do socialismo americano, mas para entender isso, deve ter em mente a situação crônica da economia americana:

Os dois primeiros fatos são bem evidentes, com uma crise fiscal crônica, a margem de ação “socialista” custará uma verdadeira revolução fiscal. O fato mais importante é que a mobilização necessária para algo dessa magnitude exigiria uma vitória eleitoral na zona dos 90%. Sabemos que especulações sobre a inegebilidade de Sanders eram tão falsas quanto o caráter da Hillary Clinton, mas vencer com essa margem em um momento tão polarizado da política americana é esperar por um milagre, ainda que todos os resquícios de marcatismo evaporem no ar, magicamente.

A bolha de ações é o maior e menos evidente risco, o valor das ações bateram todos os recordes históricos mesmo com a economia estagnada, com as empresas se alavancando (leverage) em dívida para comprar suas próprias ações (buyback) se aproveitando dos juros negativos do QE , esse é o truque de Obama. A contenção inflacionária foi garantida pelo efeito deflacionário da redução do preço do petróleo, articulado entre Washington e a Arábia Saudita. Contudo, a única unanimidade sobre o QE e o preço do petróleo é que ambos são insustentáveis a longo prazo, isto é, a política econômica de Obama se resume a inflar uma bolha que cairia no colo do governo seguinte, não seria mal para ele se tal bolha estourasse em sua partidária e desafeto declarado, Hillary Clinton.

Ucrânia, parte da geopolítica da era de Clinton como secretária de Estado, já ultrapassou o colapso, sua economia não implodiu ainda porque o FMI alterou suas regras, por pressão de Washington, para continuar financiando o governo quebrado de Kiev. Toda geopolítica americana está em franca desmoralização e enfraquecimento. Sabemos que Bernie tem uma política externa bem “duvidosa”, para não dizer conivente, portanto, seu governo apenas levaria ao mesmo fim e aos mesmos meios, em doses menores.

A crise fiscal e o esvaziamento dessa bolha financeira podem ser enfrentadas e vencidas, mas as condições sociais para essa “revolução sandernista” não existem, isso é um fato indubitável. A mera simpatia a sua “integridade” e “idealismo” estão muito, mas realmente muito aquém das necessidades dessa tal revolução. Tal vitória de Pirro, como afirmei no último artigo, serviria apenas para dar um “último prego no caixão” no socialismo americano, “matar o bebê ainda no berço”, como diria um velho anti-comunista demonstrando sua alma piedosa, humanista e civilizada.

VITÓRIA ELEITORAL OU POLÍTICA, EIS A QUESTÃO

A margem de sucesso do sucessor de Obama beira ao impossível, não se trata de qualquer fé ou especulação, simplesmente as margens são mínimas, pelo que já foi citado. Seja qual o peso de sua vitória eleitoral, Bernie viverá em um governo absolutamente interditado, essa é a única verdade do panfleto pró-Hillary do declarado clintonista Paul Krugman,

Imagine uma campanha de Bernie atacando o dinheiro de Wall Street, com a maioria dos candidatos democratas dependendo de tal dinheiro para se financiarem. Mesmo se todos abdicassem do “big money”, não haveria micro-doadores suficientes para suprir todos os candidatos do parlamento democrata, migrando para o já abarrotado bolso eleitoral republicano. Assim, um congresso republicano com um candidato Bernie é ainda mais factível, ainda que por razões diferentes, o mesmo ocorreria com Hillary, dado a antipatia patológica que republicanos tem por ela e a pouca confiança que desperta mesmo entre apoiadores.

Assim, em um governo Trump, o antagonismo ao “big money” e a proximidade de Trump com os Clintons colocaria Bernie como princial antagonista de tal governo, enquanto, em um governo Clinton, Bernie seria a voz da dissidência, uma voz com apelo as ruas e ao governo. Assim, seja em um governo Trump ou Clinton, com Bernie fora, o novo Occupy Wall Street não seria apenas “anti-capitalista”, mas “pró-socialista”.

Essas são as melhores chances, se não a única chance, para que o socialismo americano possa se articular, se enraizar, se mobilizar, se estender, ser debatido, ser deliberado. O socialismo americano precisa agora amadurecer para crescer, isto é, ser oposição. Talvez isso seja uma visão esperançosa de muito longo prazo, mas é a única realista.

Claro que para a emergente esquerda radical européia, que está sofrendo um linchamento midiático a soldo de Washington e das elites locais, teriam na mera eleição de Bernie mais do que um alívio, uma revolução. E mesmo, não podemos subestimar o grau de tensão social que agora se encontra os EUA, o que podem ser suficiente para uma insurreição. Ninguém diria que a arqui-reacionária Rússia culminaria no comunismo, nem mesmo, meses antes da Revolução de 1917 eclodir. A mesma surpresa valeria para revoluções francesa, chinesa e cubana, portanto, seria uma ingenuidade krugmaniana desconhecer e ignorar a capacidade da História se revolucionar.

Contudo, para esperança socialista de um novo mundo devemos torcer não para que Bernie saiba ganhar ou não saiba ganhar, mas que sobretudo, saiba perder, perder bem, perder como quem deixa uma semente de futuro, como quem morre para germinar. Pela mesma razão, o melhor para os governos progressistas da América Latina, nesse momento, é saírem do poder para exercer oposição na iminência da grande crise que virá. E para isso, devem perder bem, de pé, perder não por desgaste, mas por resistência contra as pressões de privatização e ajuste, somente dessa forma, podem recuperar o poder no momento seguinte.

 
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