Além dos Outdoors: sobre a curiosa história da Revolução Islandesa que ninguém viu…
Há muitas sintomas do orwelliano mundo que vivemos, mas quando um dia essa “idade média” passar, se passar, será a Revolução Islandesa seu maior símbolo. Essa revolução é talvez a história de uma revolução mas bem ocultada, silenciada e censurada da história humana, para, talvez, 90% da população mundial, ela sequer existiu. É um sintoma de nosso tempo.
O documentário Inside Job revela um pouco dessa história não-contada. Antes da crise de 2008, o país era um admirado modelo de economia liberal adorado pelos mercados. Quando veio a crise financeira de 2008, toda a fictícia prosperidade, inflada por operações especulativas ou duvidosas, ruiu. Três bancos vão a falência, 85 bilhões de dólares em perdas, desemprego cresce nove vezes, dívida de 900% do PIB, a moeda se desvaloriza 80% e o PIB decresce 11%. O país-modelo vira uma catástrofe, mesmo com todo seu “fundamentalismo de mercado”.
“As coisas mudam de nome, mas continuam sendo religiões” (Humberto Guessinger, Além dos Outdoors)
E então o povo islandês foi as ruas para derrubar o governo pró-mercado, nas eleições antecipadas que se seguiram, as esquerdas venceram com ampla maioria. Quando a conta da crise chegou na forma de reembolso aos credores estrangeiros de 40% do PIB, o povo foi mais uma vez às ruas forçando o presidente a colocar a proposta em referendo, a mesma foi rejeitada por 93% e depois por 63% na segunda tentativa. Em seguida, uma Assembléia Constituinte alterava a Constituição, tal como os “bolivarianos” da América Latina. A revolução estava no seu auge e nada nas mídias.
As nações que seguiram o alinhamento com os mercados e sua austeridade fiscal - como Grécia, Portugal, Espanha - se empobreceram sem sequer reduzir a dívida, enquanto a herética Islândia se tornava uma das economias que mais crescem na Europa, com sua dívida controlada.
“No ar da nossa aldeia, há mais do que poluição” (…) “No ar da nossa aldeia, há radio, cinema e televisão”
O Syriza terá de decifrar essa esfinge de nosso tempo, se responder errado, será devorado por ela. E a resposta já foi dada: Ou fazem uma Revolução Islandesa ou serão sabotados para conter o “contágio”. Porém, se o Syriza cair, não será apenas a Grécia, mas será toda a Europa que estará a um passo daquela Europa emergida após a derrota da revolução alemã de 1919. Para os que conhecem a história, entenderão a ameaça.
Cada tempo tem suas verdades. A verdade sobre o nosso tempo é que a verdade hoje é incendiária, intolerável, ameaçadora. Que mundo é esse que vivemos que trata Manning, Assange ou Snowden como estupradores, terroristas e traidores apenas por divulgarem a verdade? Que mundo é esse que massacra a Petrobrás com recorde de produção e poupa a Sabesp privatizada que levou São Paulo a beira do colapso hídrico?
Para eles a verdade é terrorismo, os fatos são ideologias, a história é inútil. Para eles a nação da guerra é o líder da paz, governos eleitos são ditaduras, ditaduras aliadas são democracias, a guerra é a paz. A barbárie é promovida: Bolsonaros, Malafaias, Pegida, Pravy Sektor, Front National, Aurora Dourada. Do outro lado, emergem o Syriza, o Podemos, etc.
Será o fim ou apenas uma revolução islandesa se espalhando em efeito dominó? Será a mentira repetida se transformando em verdade, ou apenas a resistência de um olhar que olha mais longe? Talvez não seja uma coisa ou outra, sejam ambas, em uma disputa que ainda não terminou.
“A revolução não é um mar de rosa, é uma batalha de vida ou morte entre o passado e o futuro”. (Fidel Castro)
Os islandeses gritaram, mas o silencio foi maior, isso é um dilema. Pois nos provaram também que mesmo um “silencio maior” não vencera o pequeno grito dos islandeses, que tornou melhor um outro mundo possível.
“Você sabe o que eu quero dizer, não está escrito nos outdoors. Por mais que a gente grite, o silêncio é sempre maior” (Humberto Gessinger, Além dos Outdoors)