Regras ou Mandamentos? Ou porque a Globo está caindo…

É preciso antes de mais nada afirmar que o mero sucesso da novela da Record é um bem-vindo alívio ao “absolutismo” da Globo, mas, sejamos francos, o que os 10 Mandamentos fez não é vencer a Globo através de um conteúdo superior, como foi, por exemplo, a novela Pantanal, mas com um enredo piegas, “defeitos especiais”, interpretações ruins. Queria muito que não o fosse, preferia que fosse uma novela incrível que nos desse esperança de uma concorrente competitiva, mas realmente não é.

Contudo, se está errado quem pensa que a Record fez uma obra-prima, mais errado está aqueles que desprezam o grande feito da novela da Record, pois se fosse produto do mero talento teríamos um fenômeno passageiro, a Globo contrataria os principais envolvidos com o sucesso, como ocorreu com Pantanal, e fim de papo. Mas justamente por estar vencendo a Globo, mesmo com um produto “mal acabado” e enfrentando o autor de novela mais renomado no momento (João Emanuel Carneiro), é justamente aí que se mostra um fenômeno importante.

A imprensa chapa-branca, para não rotular de fracassada a novela Regra do Jogo, apesar da menor audiência e ter perdido para novela da Record, coisa que na “desastrosa” Babilônia nunca ocorreu, responsabilizam o baixo desempenho na novela anterior!

Fica combinado assim, enquanto a Regra do Jogo não decolar a culpa é da novela Babilônia, mas quando decolar, o mérito é da Regra do Jogo. Entendeu, né? Todos colunistas repetindo, 1.. 2.. 3..

Olhando analiticamente, há três causas que muitos tentam destacar apenas uma em detrimento das outras, e com certeza há muitas outras causas menores. Mas podemos destacar as seguintes:

O DILEMA DA AUTOFAGIA UDENISTA

A questão tecnológica trás um elemento ideológico subjacente, até porque, a existência de uma alternativa não muda hábitos, se tais hábitos lhe agradam, porque mudar? Essa equação é solucionada pelo udenismo cultural, o viralatismo de que somos atavicamente desprezíveis frente a Europa e os EUA. É isso que motiva, incentiva e convence o telespectador de novelas a mudar para os “superiores” seriados americanos.

Mas Game of Thrones e Breaking Bad não são melhores do que qualquer coisa que a Globo fez, faz e fará? Há coisas boas e coisas ruins em todos os lados, na tv aberta, na tv fechada, no netflix, na internet, em filmes americanos, etc. É justamente aí que a ideologia udenista é autofágica, ela nega qualquer possibilidade de EXISTIR qualidade “nacional”. Então, o que um udenista escolheria, tv aberta ou tv fechada, novelas ou seriados, Netflix ou Globo, Google News ou Folha de São Paulo, a verdade ou a Veja?

Essa autofagia não é causada mecanicamente pelo udenismo, como se fosse uma essência brotando na ideia, ela se torna autofágica quando essa ideologia se choca com a nossa conjuntura. Em um contexto diferente ela alcançou seu máximo: ditadura militar. Contudo, frente a internet e todos seus subprodutos, frente a concorrência sem mediações com os americanos, a ideologia udenista é “mercadologicamente” suicida. E quanto mais decaem, mais se udenizam, e assim mais decaem.

Será que a Abril, Folha e Globo vão se opor ao Google, Facebook e Netflix? Tecnicamente seria fácil alcançar apoio politico no governo e na oposição a um certo protecionismo cultural do tipo praticado pela UE, mas culturalmente estão atados ao colonialismo, a suserania, a dependência, ao provincianismo, a imolação anti-nacional. Nossa elite se afirma enquanto tal como culturalmente superior justamente por ser desnacionalizada, a cultura importada é defendida como quem defende a qualidade de um carro importado frente a um modelo nacional, e essa comparação esdrúxula é levada a uma seriedade que nos leva a níveis inimagináveis de ridículo.

Em outras palavras, com o udenismo hoje há um conflito entre audiência e ideologia, entre interesse econômico e vontade política, entre o caminho da mão para a boca, são como Cassandras de si mesmo, correndo histericamente de olhos abertos em direção ao precipício.

Podemos comemorar a decadência da Globo? Sim e não. Sim porque o poder político da Globo é algo impossível de ser exagerado, é uma aberração que o país carrega como uma câncer do golpe de 64, por outro lado, é claro que não, já que a Record não representa nenhum vanguardismo emancipador, para todos os efeitos é apenas uma concorrente da Globo, sem nenhum outro mérito além disso (sim, porque os outros canais se contentam bovinamente em brigar pelo segundo lugar) .

Permaneçamos pessimistas, desesperados e prontos. Porque como bem disse Shakespeare uma vez: “estar pronto é tudo”.

p.s.: Que o diga Corbyn!

 
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