Socialismo = Comunismo?

Com o sucesso repentino e improvável de Sanders nas eleições americanas, o conceito de socialismo virou uma querela bestiológica da “grande imprensa”. Tanto para a esquerda americana que enfatiza que Sanders não é socialista, ganhando um espaço inédito na “grande imprensa” americana na esperança de desencantar o eleitorado sandernista, quanto para a direita que enfatiza que sendo socialista, é, logo, também um comunista, esperando que o “comunismo” surta o efeito terrorista que o “socialismo” não provoca mais.

Observação: o termo “socialismo asiático” é utilizado aqui sem conotação étnica, não atribui seu conteúdo a etnia “asiática”, mas se utiliza apenas de um recorte geográfico aproximado que se encaixa no argumento, pois, com se sabe, o “leste europeu” seguia esse “socialismo asiático”.

SOCIALISMO EUROPEU x SOCIALISMO ASIÁTICO

Há duas versão contemporâneas para a acepção de “socialismo”. A versão asiática (leninista) baseado na Internacional Comunista (3a), e a versão européia, baseada na Internacional Socialista, ainda vigente.

européia: socialismo = democracia + reforma
asiática: socialismo = fase entre a ditadura e o comunismo

A versão asiática (leninista), para complicar, se baseia em uma “adulteração” das fases que Marx descreve em “A Crítica ao Programa de Gotha”, se baseando, erroneamente, que a via democrática teria sido descartada por Marx (o próprio Partido Social-Democrata Operário alemão, marxista, fala por si). Segue as duas concepções “fasistas” de socialismo.

MARX: ditadura proletária -> comunismo inferior -> comunismo superior
LÊNIN: ditadura proletária* -> socialismo -> comunismo

A versão de Lênin é esquizofrênica, enquanto berra contra os revisonistas por serem “revisionistas”, protagonizou a maior revisão que o “marxismo” já sofrera, mas, deixando claro, não era uma “revisão”, mas uma “atualização”.

A armadilha stalinista que capturou boa parte dos partidos comunistas na Guerra Fria foi não terem sido capazes de separar o Lênin revolucionário (figura importante da Revolução Russa) do Lênin teórico (figura medíocre do bolchevismo). Ou separar a Revolução Russa do governo russo de plantão, o que culminou esse retorno hegel-zizekiano ao idealismo, a ponto de crer que a Revolução Russa só foi possível graças ao gênio teórico tático-estratégico das obras incoerentes de Lênin aplicadas na revoluçao de 1917.

Assim, ironicamente, não estranha que os mais conservadores e reacionários adotem justamente a concepção leninista de socialismo (como pre-comunismo) e a concepção stalinista de socialismo (URSS = socialista), em oposição ao Trotsky/Lênin que consideravam a URSS na “fase” da “ditadura do proletariado”. Contudo, o bolchevismo adota em comum, como dito acima, uma deturpação da “teoria das fases” de Marx.

SOCIALISMO DO SÉCULO XIX : SOCIALISMO DO SÉCULO XX

Além das concepções diferentes entre socialismo europeu e asiático, outra disparidade marcante são as concepções do século XX e século XIX.

século XIX: socialismo é uma corrente
século XX: socialismo é uma doutrina

No século XIX, como demonstra o Manifesto Comunista na sua crítica a “literatura socialista”, socialismo é qualquer doutrina anti-capitalista, baseado na contradição fática do liberalismo a partir das crises, misérias, colonialismos, explorações, etc. Assim, o anarquismo, algo tão estranho ao comunismo e ao conceito vigente de socialismo, se define socialista. Por isso, também, Marx agrupa socialismos hoje impensáveis, como um socialismo reacionário (feudal, católico, etc), até mesmo um “socialismo burguês”. E não estamos falando de uma carta, uma obra da fase “jovem”, ou um circular, ou uma nota de rodapé, mas do “Manifesto” de Marx.

Qual dos conceitos é o mais apropriado? Isso é uma resposta que cabe ao leitor. Mas vejamos o “keynesianismo”, ele é um conjunto teórico que não é aceito como “liberalismo” por qualquer variante de “liberalismo econômico”, e não é aceito como “socialista” nem pelo socialismo europeu, muito menos pelo “socialismo asiático”. Que tipo de concepção de socialismo/liberalismo, das que foram apresentadas até aqui, consegue encaixar essa “doutrina econômica” que hoje vive no total limbo ideológico? Não seria o “socialismo burguês” que Marx descreve no seu “Manifesto”?

Dessa forma, o conceito de socialismo como uma corrente diversificada de pensamento e antagônica ao liberalismo se demonstra mais consistente. O liberalismo como uma corrente pró-capitalista (apologia) e o socialismo como uma corrente anti-capitalista (crítica). E a partir do socialismo, nesse conceito, podemos adotar diversas respostas doutrinárias mais específicas, como anarquismo, socialismo, comunismo, cooperativismo, desenvolvimentismo, intervencionismo, protecionismo, etc.

Contudo, o que volta a embaralhar o conceito de socialismo é o fato das economias serem mistas, e a composição geográfica dessa miscigenação é extremamente diversa, então, economias escandinavas são mais “socializadas”, enquanto a economia americana hoje é mais “liberalizada”, e para complicar, essa composição variou dramaticamente na história, com a economia americana se tornando altamente socializada justamente no auge da Guerra Fria, e agora, fortemente “liberalizada”.

Por fim, a política de cada partido liberalista ou socialista em países diferentes, com contextos diferentes, gera situações onde um partido de direita em países desenvolvidos assumam discursos que em um país subdesenvolvido, nem um partido comunista radical assumiria como viável eleitoralmente adotar, tão “esquerdista” lhe pareceria em seu contexto.

Imagine hoje, no Brasil, alguém adotar um discuso contra os bancos, os ricos, as elites e as mídias como faz Trump, Ted Cruz, Ben Carsons, etc. Seria linchado nas ruas, nas mídias e nas urnas.

Assim, a saída para não cair em uma prisão ideológica é adotar esses conceitos como dinâmicos e relativos, operando de maneira concreta e realista em cada contexto, o que, em outros termos, significaria, tão somente, adotar uma análise histórica materialista-dialética para cada dinâmica política em cada momento e cada local. Isso significa retomar um dos pontos vitais do dito “pensamento de Marx”, a anti-ideologia.

O que difere isso de um oportunista convencional? Um oportunista não entende a dinâmica e fica preso as circunstâncias. Por exemplo, uma convencional oportunista, como Hillary Clinton, apoiara a Guerra do Iraque, o que no momento era muito popular, e hoje é uma das principais causas que está afastando votos dela, além de ser, um dos ativos mais tóxicos do candidato “estabilishiment” da direita, Jeb Bush.

É, eu sei, é um idealismo muito tentador para os teóricos.

 
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