A China hoje: comunismo ou capitalismo?

Muito se debate sobre se a China é hoje comunista ou capitalista (ou em vias para o capitalismo), muito foi dito desde comunismo genuíno até capitalismo de Estado, passando por degeneração burocrática-stalinista, ou mesmo o mantra liberalista: capitalismo com ditadura comunista. Todas essas variações ou resulta das confusões sobre um comunismo pré-capitalista, ou de mera apologia ao capitalismo frente ao impressionante desempenho econômico de um país denominadamente comunista. Para Karl Marx, nem um, nem outro, para ele:

A segunda afirmação foi a resposta de Marx aos “marxistas poloneses” que combatiam as transformações capitalistas na Polônia sob o temor do que ocorreu na Inglaterra tal como descreveu Marx em O Capital. Marx retrucou que seu livro apenas revelava uma experiência específica de acumulação primitiva e que essa transição ocorreria com as especificidade históricas e conjunturais de cada país, não necessariamente da mesma forma. Foi dessa polêmica que Marx terminaria afirmando: “eu, Marx, não sou marxista”.

Assim, a China não é e nem poderia ser “comunista”, menos ainda um “capitalismo de Estado” como um conceito supostamente híbrido ou impuro de capitalismo, pois todo o capitalismo até hoje foi um capitalismo de Estado, os dogmas do liberalismo são desastrosos, a crise de 1929 e a de 2008 são grandes exemplos de crises precedidas liberalistas no poder. Isto é, o capitalismo normal sempre foi um “capitalismo de Estado”, mesmo antes de Keynes ou do “capitalismo monopolista de Estado”.

Assim, da mesma forma como na URSS a “burocracia comunista” se converteu em classe capitalista de modo orgânico, o mesmo ocorrerá com a burocracia chinesa, por mera conveniência e oportunidade. Mas esse entendimento não se trata de uma crítica ou rejeição ao dito “socialismo de mercado” Chinês, muito pelo contrário, se trata de compreender para poder retirar seu aprendizado de uma experiência exitosa.

Críticas sobre o “salário de fome” dito pelos liberalistas, muitas vezes repetidos por certos esquerdistas, ignora a colossal ascensão social de milhões de chineses a cada ano. Críticas sobre a falta de uma “seguridade social” na China dita por certos socialistas fecham os olhos para a colossal mão de obra chinesa e os meios que hoje ainda não detém para financiar tal seguridade em padrões europeus. Negam, inclusive, observar na história que a acumulação primitiva chinesa é, sem a menor dúvida, muito menos violenta do que as que ocorreram no continente europeu. E que sim, se a China manter uma taxa de crescimento tão alta, terá muito em breve os meios para melhores salários (que já estão crescendo a ponto de fazer fábricas americanas migrarem para o México) e melhor seguridade social (que é de total interesse político deles).

O que há de mais marxista na política econômica chinesa e que supera em muito o jacobinismo velho e novo (bolchevismo) é o modo como todo o poder está concentrado na tarefa de desenvolver as forças produtivas. Considerando que em Marx, a transição do capitalismo ao comunismo se dá através da contradição do desenvolvimento das forças produtivas e as relações de produção, logo, a China, bem mais do que a Rússia, está em marcha para uma sociedade comunista, o problema é que essa transformação se dará não suavemente, mas como crise, aí temos um paradoxo, pois o regime jacobino regendo a acumulação primitiva poderá se manter após concluir a acumulação primitiva? Se mantendo após, poderá ele próprio promover o capitalismo e depois comandar a transição ao comunismo? A experiência histórica nos leva a crer que não, cedo ou tarde a China terá de abandonar seu jacobinismo e assumir todo o vestuário capitalista. Mas na história o improvável ocorre muitas vezes.

Dito de outro modo, apenas o “jacobinismo marxista chinês” conseguiu por em marcha as necessidades objetivas da transição ao comunismo, mas mesmo assim caindo em um paradoxo. Por outro lado, uma transição ao “capitalismo propriamente dito” provocará na China um estrago proporcional ao que ocorreu na Rússia, esmagando metade de seu PIB no governo ultra-liberalista de Yeltsin, isso pode gerar uma reviravolta que responda o paradoxo levantado: liderar a acumulação primitiva, ceder ao capitalismo e retornar ao poder para liderar a revolução comunista. Ainda assim é problemático considerando que a nova classe capitalista será composta em boa parte por ex-comunistas e em razão de muitas transformações “capitalistas” terem sido lideradas pelos “comunistas”. Isto é, se a sucessão ocorrer desse modo, não poderá ser em uma mesma geração, deverá ocorrer uma mudança geracional e um novo partido comunista auto-crítico, e não um comunismo saudosista tais como os stalinistas patrióticos da Federação Russa.

Respondendo a questão, a China é uma experiência de transição (acumulação primitiva) não ao comunismo, mas ao capitalismo. Isso não é, ao estilo bolchevista, um revisionismo, uma traição, etc. Isso se dá pelas mesmas necessidades objetivas que em um dado momento provocou a revolução chinesa. E essa é a única leitura realmente marxista, já que a leitura bolchevista parte de um utópico salto do pré-capitalismo ao comunismo (ou socialismo) regado a voluntarismo revolucionário. E nem mesmo se trata de um “gradualismo” já que a mudança entre uma forma social e outra historicamente se dá por revoluções, não por evoluções, o que gera o paradoxo tratado nesse artigo.

A rejeição patética dos euro-comunistas ao comunismo chinês se dá mais em base da ignorância de seu próprio comunismo, mas também revela algo bem concreto, na crise do capitalismo avançado que ocorre agora nos EUA e UE, segundo a primeira tese de Marx apresentada nesse artigo, nos dará muito mais comunismo do que todo o século XX, e dessa forma, mesma a forma patética dessa rejeição ao modelo chinês talvez seja apenas a face subjetiva irrefletida desse potencial comunismo real, claro, isso também é uma hipótese, por sua validade: quem viver verá.

 
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