2016 : as dramáticas tensões pre-eleitorais americanas

Em 2016 teremos “eleições imperiais” e as primárias estão realmente bem “emocionantes”. Entre republicanos e democratas crescem candidaturas anti-estabilishment, com o “socialista” Bernie entre os democratas e o “capitalista” Trump entre os republicanos. Alguns comentaristas esportivos diriam que seria uma espécie de clássico da luta de classes internacional. De fato, em espetáculo, nada supera a democracia americana.

Nos EUA a política tem muitas camadas. Em tese, dados os partidos registrados, a democracia americana é multipartidária, mas na prática, dois partidos se revesam no poder em uma ditadura bipartidária perfeita. Contudo, analisando seriamente as políticas desse estabilishment bipartidário, como Hillary e Ted Cruz, veremos um regime de partido único com briguinhas cosméticas sob os favores de Wall Street.

Além do bem assimilado multipartidarismo bipartidário, a democracia plutocrática americana saiu das sombras graças aos bailouts de 2008, enquanto os bancos, que quebraram a economia, estavam sendo resgatados com trilhões de dinheiro público, apesar de Wall Street atacar qualquer dependência ao Estado como “escravidão”, outros milhares perdiam empregos, casas e economias sem receber nenhuma ajuda estatal. A primeira resposta veio rápida: Occupy Wall Street.

Finalmente, os americanos tiveram uma oportunidade didática de entenderem o que é o capitalismo: socializar o lucro e privatizar o prejuízo.

O Occupy Wall Street mudou tudo, ou alguma coisa muito essencial. As igrejas do capital, a imprensa, faliram de tal forma sua credibilidade que mesmo berrando a meses, em uníssono, não conseguiram nem mesmo arranhar, quanto menos destruir, a candidatura de Trump.

TRUMP, O PLUTOCRATA QUE A PLUTOCRACIA ODEIA

O curioso é que o fato de Trump se financiar, por ser ele próprio um plutocrata, é uma ameaça a “plutocracia”. Um plutocrata se converter em candidato, sem intermediário, ameaça o esquema não apenas dos patrocinadores, que recrutam os candidatos do “esquema”, mas, sobretudo, aos próprios intermediários, cuja profissão é representá-los. Trump é um golpe de estado contra os “shadown govs” dos Kosh Brothers. O esquema que molha a mão de dezenas de mídias e lobbies.

Contudo, essa campanha anti-trump vez por outra gera um vácuo eleitoral, antes ocupado pelo teocrata Ben Carsons, que queria extinguir todos os impostos e cobrar apenas 10%, para todos, ricos e pobres, como o dízimo, tal como na Bíblia. Será que ele também transferiria a arrecadação para a tribo dos Levitas, “como diz na Bíblia”? Agora é o cowboy texano Ted Cruz quem assume esse vácuo, que já o ultrapassou Trump não só nas pesquisas, mas no que há de pior (xenofobia) e no que há de melhor (militarista, ao contrário de Trump). Com o agravante de não ser tão estúpido, o que o torna muito mais perigoso que Trump.

Quem criou Ted Cruz? A mesma imprensa que perseguiu desonestamente Trump para favorecer Jeb Bush ou Marco Rubio. Cada vez que conseguem derrubar Trump, como agora, coloca em seu vácuo alguém pior. Mesmo Trump sendo muito mais moderado no belicismo histérico republicano, não os impede de querer o enquadrar como extremista, o que conseguiram com essa tática desonesta foi projetar o pior extremista: Ted Cruz.

UM SOCIALISTA AMERICANO EM WASHINGTON

Bernie é surpreendente, um auto-proclamado socialista liderando as pesquisas? No way! Depois de anos na defensiva, o “termo” socialista entra na ofensiva com Bernie, a chantagem e a cafajestice ideológica anti-socialista exauriu tanto os americanos, que mesmo eleitores republicanos hoje preferem um socialista como Bernie, do que dar seu voto a uma liberal do capitalismo como Hillary Clinton.

Mas até onde vai esse socialismo? Os que dizem que Bernie é pseudo-socialista, entendem socialismo apenas como “revolucionário”, esquecendo a tipificação de reformista, conservador e mesmo reacionário (vide Marx). Sim, isso significa que mesmo o keynesianismo era socialista, como “acusa” a direita americana (“socialismo burguês”, vide Marx). Isto é, a Guerra Fria não foi um conflito entre comunismo e o capitalismo, mas entre um socialismo keynesiano e o socialismo stalinista.

Claro que acusar o keynesianismo de socialismo é um estigmatização conservadora para inibir qualquer resistência ao “liberalismo”, mesmo de Keynes, que queria “salvar o capitalismo”. Mas o problema não é a má fé da acusação, mas a cumplicidade dos acusados, os “democratas de direita” a soldo de Wall Street. Se não fossem lacaios de Wall Street, responderiam lembrando que sob o “socialismo keynesiano” a economia americana teve as maiores taxas de crescimento e renda de sua história, simples assim.

Mas o que importa realmente é entender a dinâmica social por trás disso tudo, rótulos ideológicos são distrações inúteis para o entendimento. Vejamos os cenários, seguindo as tendências atuais.

Uma vitória do socialista Bernie nos EUA, dada a radicalização dos republicanos, provocaria uma revanche reacionária tal que não poderia ser detida sem uma guerra civil, ainda que fale vagamente de uma “revolução política”, ou não está disposto a isso ou não teria mobilização suficiente para tal. O melhor cenário para o socialismo americano seria a derrota de Bernie para um Trump, por ser um perfeito antagonista, ou para qualquer republicano com uma política econômica muito liberalista, o que canalizaria o fracasso dessa política em favor de Bernie, e fornecendo tempo para a gestação e mobilização até as eleições seguintes, onde, ganharia frente a uma direita fragilizada, dividida, fragmentada e com a moral baixa, e tendo uma base social mais ampla e sólida.

Hoje, acredito eu, e isso é puro achismo, que um presidente Bernie não teria forças políticas suficiente para se sustendo no poder sequer por 12 meses, dado todo o extremismo crescente da direita americana, mas, sobretudo, pela oposição interna da direita Democrata que seria liderada pela revanchista Hillary Clinton. Isto é, a vitória socialista de Bernie seria uma monumental vitória de Pirro, que tenderia a uma situação de guerra quente anti-esquerdista, dentro e fora dos EUA.

Mesmo perdendo com vitória moral numa eleição nacional, não seria fácil Bernie capitalizar a impopularidade de um governo republicano, por estar fora do estabilishment, há uma censura tácita contra ele na imprensa. Mesmo agora, liderando Iowa e New Hampshire, a cortina de fumaça permanece. Isso porque a força de Bernie está nos eleitores, nas ruas, nas mídias sociais, na fina película de democracia que envolve a plutocracia americana. Fechada as urnas, Bernie será esmagado pelo poder real de Wall Street, que gerencia o poder comprando a lobbies e mídias.

Mas, há um porém, há uma exceção, se houver outra grande crise, tudo pode acontecer. Grandes crises geram grandes mudanças, que o diga Obama! E também não podemos esquecer que na História, o improvável quase sempre acontece.

 
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