Hegel e a filosofia histórica
Hegel formulou a maior síntese da filosofia moderna, considerando que as grandes filosofias foram elas também grandes sínteses, como a da filosofia de Platão, Aristóteles, etc. O seu legado na lógica através de sua dialética idealista imanente é bem reconhecida, mas seu legado epistemológico historicista não recebeu o mesmo reconhecimento, ainda que a maior culpa se deva a seu emaranhado obscurantista e apologista do Estado prussiano.
A filosofia histórica de Hegel rompeu a dicotomia fundamental que nasceu na filosofia desde Tales de Mileto, a oposição entre “natureza” e “convenções”, colocando como convenções o que há de “senso comum”, “arbitrário”, “ilógico”, “opinativo” e “acidental”. Enquanto como natureza entende o que é imanente, necessário, verdadeiro, científico, e mais importante, a natureza era a verdade porque era a face imutável das coisas.
Mesmo antes de Darwin atropelar o mito da natureza estática, Hegel tornou a história lógica, ainda que uma lógica mistificada como espírito no mundo, como algo que unia dialeticamente a natureza (como existência da ideia) e a ideia (como essência da natureza). Hegel resolveu o ser-em-si kantiano (inacessível ao conhecimento). Em Kant e Shopenhauer o ser-em-si está fora do conhecimento, recai na metafísica (que tinha sido eliminada na fenomenologia do ser-em-si), Hegel logra um ser-em-si projetado no avanço das ciências até o saber absoluto, onde o ser-em-si e o ser-para-si não teriam mais diferença, pois não haveria mais nada para ser descoberto ou conhecido.
Claro que a concepção da natureza em Hegel ainda é pré-darwiniana, mas a própria filosofia não é mais uma especulação passiva sobre a natureza, ela cria espírito, e esse espírito é a própria história, segundo Hegel.
Na epistemologia neokantiana, os dilemas entre a mesofísica newtoniana, macrofísica de Einstein e a microfísica quântica, as três teorias são adotadas como “verdadeiras” dentro do universo fenomênico que se aplicam, em uma abordagem hegeliana, cada uma representaria um passo em direção a uma concepção unificada através da evolução científica, pois o “real é racional e o racional é real”.
Em Hegel a filosofia se afasta do naturalismo e entra na dinâmica da história. É um grande passo que ainda não foi totalmente digerido filosoficamente. Em Hegel, o idealismo filosófico seria o oráculo da história, conseguiria decifrar seus enigmas ocultos, mas esse idealismo caiu por terra com o Estado prussiano que ele pregou como realização da Ideia.
O que ficou de historicismo filosófico foi fraturado entre filosofias historicistas diversas, que vai desde o idealismo marxista travestido de “crítica ideológica”, passando pelo própria dialética materialista de Marx, além das histórias fraturadas de Foucault, etc. Se o filósofo moderno, de Francis Bacon a Voltaire, era antes um cientista, um filósofo contemporâneo é agora antes um cientista historiador.
Mas a reação não deixou barato, Nietzsche matou o progressismo em favor de um regressismo idílico (pré-socráticos, visão pessimista da modernidade, etc), recriou um naturalismo retórico com sua psico-fisiologia, mistificou a superioridade dos pré-socráticos com ideias sofistas (nihilismo, relativismo, despotismo), pregou a negação total da verdade, afirmando verdades absolutas como a do eterno retorno, super-homem, vontade de potência, etc.
Hegel colocou a filosofia em um impasse, com um pequeno passo a frente nasceram diversas doutrinas revolucionárias, como o comunismo e anarquismo, em um passo atrás dela, gerou doutrinas reacionárias como a de Nietzsche, que foi elevado a filósofo oficial do Nazismo no III Reich nas mãos de seu maior admirador, Adolph Hitler (ainda que estranhamente o alinhamento entre o nazismo e nietzscheanismo seja matéria tão pouco conhecida).
É realmente irônico que o maior filósofo historicista não-idealista (anti-ideológico), Karl Marx, tenha deixado seguidores, os marxistas, como seus maiores opositores. A “ideologização” do legado de Marx advém desde o “voluntarismo” bolchevista, passando pela culturalismo da Escola de Frankfurt, superestruturas de Gramsci, aparelhos ideológicos de Altusser, e encontra seu cúmulo em Zizek, o guru do “tudo é ideologia”.
Zizek é a personificação patológica da deturpação de toda grande contribuição desse grande pensador Karl Marx, é interessante perceber que mesmo em vida Marx conviveu com seus Zizeks, chegando mesmo a declarar que “eu Marx não sou marxista”. Zizek, tão absolutamente marxista, defende a volta de Marx para Hegel. Eis o recalque mal disfarçado de todos os marxismos até hoje, matar Marx e exumar Hegel, é esse o resultado do interesse sobre os “estudos sobre a ideologia que Marx subestimou”, essa é a tese universal dos marxistas.
Vai ser justamente em outro judeu, Chomsky, um anarquista, onde o materialismo histórico crítico irá amadurecer. Ainda que seu materialismo histórico não tenha nenhuma abordagem dialética, a dialética palpável da imensa riqueza empírica fornece melhor demonstração do que qualquer obra dita “marxista”. O filósofo Chomsky supera Marx. Em Marx esse trabalho é experimental, ainda que genial, em Chomsky a filosofia amadurece e se livra de seu último resquício mitológico, o naturalismo estático, e se eleva como colossal energia histórica pulsante.
Aquilo que os marxistas teimam, mesmo contra Marx, em chamar de “ideologia” e seu suposto grande papel na sociedade, não passa de peça de propaganda produzida por meios de comunicação controlada pelo grande capital. E virá de um anarquista, apesar de todo seu background idealista, essa demonstração materialista de que os marxistas, como Zizek, não conseguem sequer soletrar. É uma pena, porque a obra de Marx é valiosa, mas foi sabotada por “marxistas”.