Quantative Easing: um House of Cards financeiro?

O Quantitave Easing nasceu como uma política econômica não-convencional para aumentar a liquidez quando os juros estivessem próximos a zero. A ideia é simples, o governo recompra sua dívida que está nos bancos, com isso os bancos tem mais dinheiro para emprestar, logo o consumo e a produção aumenta, portanto, eis a maravilha: mais crescimento econômico!

Então veio o QE1, logo seguido pelo QE2, o QE3 não tinha nem mais prazo, persistiria até gerar sua mágica. Porque não funcionou?

Desde que o desenvolvimentismo (keynesianismo) colapsou em uma estagflação mundial, tomou seu lugar um conjunto bem articulado de economistas de escola monetarista, exumando todo o credo liberalista dos escombros da Grande Depressão.

O pacto social americano do pós-guerra exigia salários altos garantidos por um forte sindicalismo para gerar consumo suficiente de suas mercadorias, porque o diagnóstico da crise de 29 era a do subconsumo. Contudo, ele se esgotou frente a concorrência com a economia européia e japonesa reconstruídas.

Os monetaristas logo tomaram o poder voltando a roda da história, não mais capitalismo de Estado, mas estado mínimo, não mais pleno emprego, mas desemprego natural, não mais regulações (intervencionismos), mas mercados auto-regulados. Não mais aumento do consumo com maiores salários, mas aumento do consumo pelo crédito! A primeira vítima desses iluminados foi o sindicalismo americano, que praticamente morreu.

Os governos monetaristas venceram a inflação, mas não a estagnação e a dívida, com crescimentos pífios e endividamento maciço que chegou, nos EUA, aos US$ 15 trilhões em dívida pública e US$ 900 trilhões em dívida privada. O endividamento privado crescera tanto que ao invés de financiar o consumo passou a refinanciar dívidas anteriores.

O crescimento pelo crédito dos monetaristas colapsou.

É interessante lembrar com toda a marcha triunfal do neoliberalismo, cuja até a URSS se rendeu sob o custo de 50% do seu PIB, um curioso país assumiu a liderança do crescimento econômico: a China comunista.

Pense bem, para onde está indo essa avalanche de dinheiro jorrada nos bancos que não estejam retornando como refinanciamento privado? As empresas estão sacando esses empréstimos baratos para recomprar suas próprias ações [1], com isso a economia cresce magicamente, porque as ações cresceram. Incrível, sem produzir, comprar ou empregar ninguém, apenas alavancando as dívidas das empresas.

Eis o que é o Quantitative Easing :

Se a recompra de ações as valorizam, a recompra de dívida deprecia seus juros, compensando a menor demanda de credores. Assim, os juros não sobem para atrair credores, pois próprio devedor é credor de si mesmo. Mas como um país endividado recompra dívidas? Muito simples, com mais dívida! Saca no FED trocando por títulos do tesouro (dívida pública).

Unindo essa avalanche de dinheiro jorrado nos bancos, ele é ainda multiplicado graças ao regime de reservas fracionárias.

Os dogmáticos da escola austríacas, vendo tudo isso, só se preocupam com a heresia da “impressão do dinheiro” e o seu “imposto inflacionário”, a cegueira é tão patológica que não enxergam que a realidade é o oposto: a deflação é tão grande que nem trilhões de dólares conseguem vencer.

O QE jogou a economia americana em uma armadilha, se parar a bolha estoura, se correr a dívida aumenta. Para Obama, a segunda opção lhe permite empurrar o problema para o seu sucessor.

Eis o mito pós-industrial, o eufemismo da desindustrialização das grandes potências: globalização nada mais é do que livre fuga de capitais em busca de mão-de-obra barata pelo mundo. A economia americana se pós-industrializou, é uma indústria financeira lastreada em ações, dívida e dólar.

Nesse tripé pós-industrial o dólar é a sua espada de Dâmocles.

Segundo economista Robert Craigs[2], o FED especula loucamente contra o ouro para proteger o dólar. Mas se por um lado afasta o setor privado do ouro, as grandes economias em franca desdolarização vem essa estratégia apenas como comprar em um saldão de ouro barato.

Isso não é uma política burra, é a única política possível: para segurar o valor do dólar os EUA tem de derrubar seu principal concorrente: o ouro, e isso significa na prática vender ouro barato para China.

E foi assim, que para para salvar Wall Street da crise que eles próprios criaram em 2008, o governo eleito pelos bancos sopraram com força três bolhas financeiras épicas: fiscal, cambial e venal*.

Enquanto isso lá vem a ladainha de dogmáticos liberais (libertarians) escandalizados, tremendo, histéricos, gritando que o dólar está sendo lastreado em dívida, oh deus, que terrível heresia! Nem nisso estão corretos, o dólar é abertamente lastreado em petróleo garantido pela vassalagem saudita na OPEP, um lastro muito melhor dado sua demanda crescente e os acordos de reciclagem de dólar com os sauditas.

Com o crédito se convertendo menos em consumo, o risco é muito mais deflacionário do que inflacionário. O único risco inflacionário haveria se Arábia Saudita rejeitasse o dólar ou permitisse outra moeda na OPEP, e pense bem, porque os sauditas fariam isso?

É importante notar que 2/3 do PIB americano é consumo, portanto:

É certo que nesse castelo de cartas há muitas cartas marcadas, por exemplo, todas as agências de ratings são americanas, a Rússia com uma dívida pública de 14%, segunda essas agências imparciais, tem muito maior chance de calote que os EUA com mais de 100% de endividamento e com a maior dívida pública em termos absolutos do mundo, e crescendo.

Basta saber que no auge da crise de 2008 os EUA estavam com triplo AAA+ nas três agências, e quando a S&P ousou rebaixar a nota da dívida pública americana, o seu presidente foi afastado em seguida.

Aliás, todos os falidos na crise de 2008 tinham nota máxima em todas as agências de ratings americanas… confiáveis, não?

[1] http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Economia/Os-ricos-cada-vez-mais-ricos/7/33481

[2] http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2014/02/manipulacoes-do-mercado-cada-vez-mais.html

 
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