Syriza: o preço da rendição

Críticas políticas, quando já conhecidas as consequências, devem ser cautelosas, pois para cada escolha hipotética sugerida novas reações diferentes seriam geradas. Mas a história é sempre uma grande professora. Uma das lições da rendição do Syriza é que, pelo menos na conjuntura atual da UE, o Euro é a austeridade, não é possível sair da austeridade sem sair do Euro, e governo do Syriza não foi capaz de resolver esse Enigma antes de ser devorado por ele.

O ponto central é que o Syriza ameaçava a sobrevivência política dos governos conservadores da Europa, seja da própria liderança pró-austeridade do governo Merkel, seja pela submissão a essa liderança dos governos de Portugal e Espanha, ou mesmo pela covardia cúmplice dos governos da França e da Itália. Na Alemanha um novo orgulho supremacista propagava os gregos e outros povos endividados como povos relapsos, irresponsáveis e gastadores em oposição ao “austero” povo alemão, uma curiosa espécie de supremacia racial reivindicando seu “espaço vital” acima da “europa latina”. Enquanto governos ibéricos eram ameaçados pelos riscos de que o sucesso de um governo anti-austeridade desmoralizasse seu discurso pro-austeridade e fortalecesse as oposições anti-austeridade locais.

No caso da Espanha, de maneira ainda mais clara, derrotar o Syriza era parte de sua luta nacional contra o crescimento do partido Podemos.

Mas o pior estava nos governos de esquerda, a traição da Itália, Bélgica e França se mostrou o pior carrasco, pois desferiu o golpe final: o total isolamento político do governo grego dentro da UE.

Só após a rendição, Varoufakis revelou que mesmos os argumentos econômicos irrefutáveis eram ignorados, mas não denunciou essa farsa enquanto podia, permitiu que a farsa das “negociações técnicas” continuasse. No pior momento a luta política foi desferida, com os bancos sendo fechados por falta de liquidez, mas o povo grego venceu toda pressão, todo terrorismo midiático, todas as chantagens, de modo que maravilhou o mundo.

O referendo foi a jogada mais crucial e ao mesmo tempo a mais desastrosa do Syriza, cometendo erros banais. O primeiro erro foi tomar partido no referendo, que transformou o referendo em uma oportunidade para ser que seus adversários o derrubassem, e se tornou isso, as elites europeias apelaram por ameaça, terror, corte do crédito, tudo para evitar o voto no “não”. O segundo erro foi não desmascarar o pseudo-tecnicidade na campanha do não. O terceiro e fatal erro foi não destrinchar o enigma, de que não se poderia sair da austeridade sem sair do Euro. Essas falhas transformam a revolucionária vitória democrática que o povo grego ofereceu ao mundo em uma ruinosa vitória de pirro.

O referendo foi uma grande oportunidade perdida para:

O que precisa ser dito, e que parece um tabu nos dias de hoje, é que nessa prodigiosa negociação que o competente Varoufakis liderou, a carta que faltou ao Syriza foi o da revolução. Se as elites européias estivessem cientes que estariam arriscando jogar a Grécia em uma violenta revolução que não poderia prever o desenlace, sentariam seriamente na mesa. Mas o Syriza não tinha cartas, oferecia sensatez enquanto era levado para a forca.

Por outro lado, temos que admitir, apesar da vergonhosa rendição, nenhum partido na Europa até agora foi tão longe, tão lúcido e tão corajoso como foi o Syriza para enfrentar o núcleo de poder da elite européia, o silêncio e a covardia dos governos italianos e franceses provam isso. O peso de levar sozinho o futuro da Europa em suas costas foi grande demais, não para o povo grego, que votou corajosamente no “não” apesar de todo terrorismo, mas para o seu governo que preferiu capitular.

Se a via revolucionária falhar, como já falhou na Grécia, abre-se a via reacionária como o Aurora Dourada, ou o Pegida na Alemanha, o Front National na França, o Ukip na Inglaterra, etc. Assim, como foi no passado com Hitler, Mussoline, Franco, etc. O partido Podemos parece ser a outra chance, suas chances podem ter piorado com a rendição do Syriza ou ter melhorado se aprender com os seus erros.

Uma trágica lição a nos lembrar para sempre de que a rendição, seja qual for o contexto, não é uma opção. No Brasil temos também nosso próprio exemplo trágico: o governo Jango. Por isso, espero que o governo Dilma não se renda, vá até o fim, porque ela sabe melhor do que ninguém que não há saídas honrosas, civilizadas ou democráticas para a rendição.

 
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