O fim da Midiocracia Ocidental

Na Era Bush, a política externa dos EUA e de seus vassalos fora auto-denominada de “comunidade internacional”, uma espécie de ONU clandestina, já que a ONU oficial não concordava com ele. Obama foi um pouco mais atrevido e denominou “Ocidente” tudo que dizia respeito a política externa americana.

De Reagan a Obama, o mundo experimentou uma mesma ordem econômica internacional (neoliberalismo), e de Bush a Obama se sujeitou a uma mesma ordem política internacional (neoconservadorismo). Não importa o quanto Republicanos e Democratas divergissem furiosamente, tudo no que tocava geopolítica e política econômica era indiscutível, garantido pelo pós-ideológico compartilhamento bipartidário de doadores de campanha.

OS EXTREMOS SE UNEM NOS EUA

Os ditos libertários e os progressistas, extremos opostos no espectro político americano, estão começando a perceber que aquilo que os separa é menor que aquilo que os unem. Uma surpreendente conversa entre os porta-vozes das mídias alternativas muito conhecidas nos EUA, TYT e Infowars, demonstra como há um certo consenso emergindo, sobretudo, na oposição ao neoliberalismo (globalização) e ao neoconservadorismo (guerras).

O diagnóstico de consenso é que as corporações (progressistas) ou globalistas (libertários) então com Washington no bolso. Apesar de não perceberam, essa crítica é um uma radicalidade revolucionária, porque desmascara a neutralidade e releva o conteúdo de classe que a democracia real se tornou, mas ainda preso a uma retórica idealista.

Contudo, ambos divergem no prognóstico:

1) libertários = acabar com o crony-capitalismo diminuindo o governo
2) progressistas = resgatar o governo dos bolso dos ricos para o povo

O progressista é mais lúcido, porém, ignora o caráter endógeno dessa relação entre corporações e Estado que o libertário percebe, ainda que de forma invertida. Mas ambos acreditam que se trata de um “desvio”, uma doença inusitada que em algum momento não existia. O que é inusitado é que agora, com a internet e o Wikileaks, conseguem saber disso.

No campo pós-clinton, está crescendo uma vertente social-democrata, com a tendência neoliberal clintonista desmoralizada, enquanto no campo republicano, os neoconservadores estão fora do governo Trump, e terão pouca acolhida com os warrenistas do DNC emergente.

A BOLHA POLÍTICA ESTOUROU

O que vem ocorrendo desde o Brexit é o equivalente geopolítico do que foi a crise “geo-econômica” de 2008, finalmente, os efeitos subiram para o andar da “superestrutura política”. Mas é bom lembrar, esse processo está acontecendo, Trump é o primeiro representante eleito de um grande país (simplesmente, o mais poderoso país) que sequer tomou posse ainda, apesar de já estar provocando grandes mudanças.

A forma que Obama se deixou levar por uma política externa imperial para assegurar o status-quo esclerosado para o governo Hillary, contra o avanço dos emergentes, sobrecarregou as instituições que apoiavam esse status-quo geopolítico, com as grandes mídias ocidentais forçadas a assumirem uma carga maior de propaganda e menor objetividade, acelerado pelo trabalho das mídias alternativas. Essa postura de redobrar a aposta, de forçar um hegemon a qualquer custo, caíra em um círculo vicioso.

Quanto menos resultado se alcançava, a dosagem assumia a culpa do remédio. Se criou uma bolha política viciada, que exigia mais e mais negação da realidade, mais e mais propaganda, mais e mais fechamento, para não recuar ou vê seu mundo desmoronando.

O estouro iniciou com o Brexit, a maior revolução geopolítica da história. Sua vitória significou a primeira derrota em larga escala do “Ocidente” desde a queda de Constantinopla, ainda que “Ocidente” signifique aqui, exclusivamente, o “estabilishment ocidental”.

1) derrota do aparelhamento mídiaco ocidental, que ficou completamente desmoralizado por conta de suas mentiras;

2) desencanto com o “sonho europeu”, fragilizando o instrumento de chantagem aplicado contra o pretendente a novos membros;

O Brexit aplainou o terreno para algo maior: Trump. Mesmo com sua sofrível retórica, provou que mesmo a mais poderosa máquina de propaganda do mundo, atuando em escala global, contra um candidato sem nenhuma destreza política, pode ser derrotada pela boa e velha soberania popular.

1) desmoralização do poder americano e colapso de seu soft power, ao desgastar a imagem do próximo presidente;

2) desmantelamento de toda arquitetura geolítica e geo-econômica vigente: TPP, TIPP, Rússia, Síria, Ucrânia, China, etc.

Fim do “Pivô para a Ásia”, fim da “Agressão Russa”, fim do “Assad tem de sair”, fim dos “excepcionalismo americano”, etc, etc, etc.

O PRÓXIMO DOMINÓ A CAIR: FRANÇA

Fillon, o candidato mais pró-Putin da França, depois de Marine Le Pen, que todas as mídias e pesquiseiros juravam que ficaria em terceiro, ganhou o primeiro tudo das primárias da centro-direita com mais de 40% dos votos. Uau, uma margem de erro que invejaria as mídias anti-Brexit e anti-Trump.

Começou logo em seguida as pressões do discurso anti-Putin na mídia francesa, mas considerando que ele ganhará, pois até as sondagens que indicaram seu terceiro lugar, dizem agora que tem mais de 70% de changar, o estabilishment mais uma vez caiu em uma armadilha:

A não ser que ocorra um furacão político na França, o que sempre pode ocorrer, pois a CIA não brinca em serviço, não há dúvida que o próximo chefe de Estado francês será pró-Putin, a dúvida é se será ou não euro-cético. Já se sabe que Marine Le Pen está no segundo turno, o difícil será convencer a esquerda fancesa, como sempre é feito na França, que em nome de derrotar a “extrema direita” de Marine Le Pen, defenda uma “centro-direita” tão conservadora ou mais conservadora que ela (Fillon).

Com certeza Hollande apoiará Fillon, mas esse vergonhoso vassalo norte-americano é tão impopular, que se declarar apoio ao Fillon, o mesmo terá de escolher entre rejeitar seu apoio ou aceitar a própria derrota.

Com Marine Le Pen na França e seu apoio ao Trump, a Theresa May e os conservadores britânicos, agora em cima do mundo, se tornarão os mais vulgares bajuladores pró-Trump, para não perder para França o status de “aliança especial” que o Reino Unido tem hoje dos EUA. Mas, da forma como Trump tratou o NYT ao visitar após a vitória, ficou claro, para o bem da honestidade humana, que ele tem boa memória.

DO EFEITO DOMINÓ AO CASTELO DE CARTAS

Marine Le Pen é Frexit, se manter o apelo de uma União Européia sem o Reino Unido é difícil, o que será uma União Européia sem a França? Qualquer coisa, menos européia. Será uma espécie de Confederação Germânica liderada pela política mais impopular do bloco: Merkel.

Com um Frexit, os argumentos pró-UE colapsam. Com o Frexit, o efeito dominó se converte em grande castelo de cartas desmoronando.

Na Alemanha, Merkel continua bem alojada no poder, com seu principal partido de oposição co-governando. A última visita de Obama foi quase um cerimonial de passagem do bastão do “estabilishment ocidental” dos EUA para a Alemanha, com Obama declarando (ele não aprende mesmo), que se fosse alemão, votaria na Merkel. Contudo, sua popularidade está cadente com o avanço do Pegida (extrema-direita alemã), e uma Marine Le Pen na França poderá ser a gota d'agua.

O Pegida nasceu de uma agenda anti-imigrantes, mas foi absorvendo a agenda populista européia até se tornar pro-Pútin, também. Chegou a declarar em seus cartazes: “Putin para Alemanha, Merkel para Sibéria”;

UCRÂNIA SERÁ A AWSCHIVITS DO EXCEPCIONALISMO AMERICANO

O caso da Ucrânia será emblemático. A forma como o poder político e a opinião pública ucraniana foram envenenadas com a propaganda anti-russa será difícil de reverter sem que o golpe ucraniano seja denunciado pelo que ele foi, um golpe financiado pela CIA, uma impossibilidade colossal.

Mas mesmo que haja alguma forma de concerto, recuo e abrandamento dos EUA e UE, tentando fazer a Ucrânia recuar da armadilham que a levaram ao status atual, o enraizamento e as feridas que criaram nesse conflito, impedirá qualquer desfecho. Os ucranianos traídos se levantarão ao lado dos partidos de ideologia neonazistas que compõe o governo de Poroshenko, porque todos estão tanto comprometidos e envolvidos com a campanha anti-russa, que não podem recuar, e preferirão lutar.

E será aí que o mundo verá a face verdadeira do “Ocidente”, não haverá mais nenhuma tendência pró-européia na Ucrânia com a normalização com a Rússia, só restarão os neonazista para defender Maidan. E a lavagem de roupa suja dos “traídos pelo Ocidente” será seu “tiro de misericórdia”.

Quem libertará a Ucrânia, quando os europeístas forem atacados pelo governo pós-Poroshenko como “aliados dos nossos traidores”?

CONTRADIÇÕES ENTRE TRUMP E BOLSONARO

Bolsonaro busca capitalizar politicamente a vitória de Trump. Mas o traço dominante da política externa dessa direita é sua aproximação com a Rússia de Putin, o que cria um paradoxo que os bolsonaristas e o próprio ainda não conseguiu desatar. Será que Bolsonaro se tornará, também, pró-Putin? Não há como tomar uma postura clara sobre esse ponto sem que contradiga a si mesmo ou ao conservadorismo internacional que diz ser parte.

Em política econômica, o mesmo, será favorável ao neoliberalismo que é combatido por esse conservadorismo emergente? Ou será protecionista e ser acusado de ser “petista”, “esquerdista”, etc, etc?

Há uma contradição entre ideologia e política entre esse conservadorismo emergente e Bolsonaro, somado a sua bufonaria e maluquice, e ainda mais, ao fato de ser uma ameaça maior a direita oficial, que compete pelo mesmo eleitorado, ele terá, provavelmente, pouca sobrevida eleitoral.

Contudo, o efeito-Trump desgastou a influência das mídias no eleitorado conservador, é muito provável que o eleitorado tucano migre em peso para Bolsonaro, sem que as mídias consigam conter a evasão. Não só não consiga, como acabem vitimizando o mesmo, dado o efeito-Trump. Seria o colapso de todo estabilishment político brasileiro.

Com seu discurso anti-comunista, terá que romper com a China, entre outras aberrações, com graves danos econômicos, o colocando em choque com as elites econômicas. Mas se “amainar” seu discurso, não terá onde extrair popularidade, ao trair sua principal bandeira: o anti-comunismo.

Como os EUA, em sua situação atual, não tem recursos para financiar mais nenhum governo-cliente no mundo (e a proposta de Trump é cobrar o pagamento dos governos aliados pela prestação militar que oferece), talvez ele entre para a história como um remédio, ainda que amargo, para arrancar o país das mãos das classes dominantes.

As vezes a Historia é assim mesmo, irônica…

 
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